CONSTRUIR UMA ALIANÇA MUNDIAL FRENTE AO APARTHEID SOCIAL
Nota sobre o tema: Economia e Sociedade. Ensaio preparatório dos Encontros da Aliança para um Mundo Responsável e Solidário de dezembro de 1997
Philippe Guirlet
Tradução ao português brasileiro: Catherine Lambelet
Esta nota contém trechos de uma pesquisa sobre as causas da exclusão social e diversas propostas alternativas nos âmbitos econômico, social, e político para um mundo mais justo e solidário.
O avanço descontrolado da exclusão social nos países ocidentais e o fracasso comprovado das políticas de desenvolvimento em inúmeros países do Sul, com o seu desfile de pobreza e explosões de violência, nos obriga a repensar o modelo político e econômico ocidental em fase de globalização.
Em primeiro lugar, estamos aprendendo às nossas custas que a ciência e o programa tecnológico do Ocidente não trazem à espécie humana unicamente um conforto material maior; também dão origem, por um lado, a uma degradação grave e irreversível dos ecossistemas, e por outro, a uma sujeição dos homens e das mulheres aos seus imperativos econômicos e técnicos. A necessidade de preservar os recursos do planeta pede que seja imperativamente freada a sua exploração total.
Em segundo lugar, o sistema capitalista e liberal - que pretende contribuir ao desenvolvimento de todos, mas cujos alicerces são o individualismo radical, a promessa de um enriquecimento pessoal ilimitado, a oferta ilusória de se poder consumir produtos cada vez mais variados - acaba alienando as populações que a ele se submetem; isto pela necessidade por ele criada de manter um nível sempre superior de produtividade e de competitividade. Submetida à lógica redutora e fatalmente uniformizadora do desempenho, do custo mínimo, do tempo restrito, a pessoa que se deixa seduzir pelas sereias liberais acaba rapidamente triturada por um sistema que ignora o humano, já que a sua única vocação é fazer dinheiro. São de admirar, então, os estragos feitos pelo sistema neoliberal em via acelerada de globalização em todos os povos do mundo? Embrutecidas pelo trabalho, ou desempregadas, escravas do consumismo interditadas de consumir, as vítimas do neoliberalismo se juntam aos milhões de seres humanos já sacrificados no altar da prosperidade ocidental, mito inacessível que somente os ricos aproveitam.
Por fim, o sistema neoliberal falha em atender as necessidades crescentes de uma população mundial em forte crescimento, desmoralizando-se totalmente onde deveria justamente provar sua eficácia como modelo pretensamente imbatível de produção e reprodução. Ora, o crescimento desenfreado das populações virou o fator principal a ser enfrentado pelas sociedades e pelo mundo como um todo.
Questões antropológicas e demográficas
PARTE 1 Um espaço para cada um num mundo aberto para o outro
"Nós arriscamos virar uma enorme cidade mundial onde a injustiça primitiva, deliberada e consciente seria a única condição possível de uma felicidade estatística das massas; toda alma lúcida percebe o quanto este mundo seria pior que o inferno". Dominique Dubarle
CONSTATAÇÃO A - A migração impossível ou forçada
Nas sociedades modernas está programada a extinção das populações rurais, particularmente dos povos do hemisfério Sul e da Região Ártica: seu território tem sido constantemente violado pela febre exploradora do capital, e seu direito à vida e sua sobrevivência cultural está ameaçado pela cobiça das empresas madeireiras e de mineração. Da mesma maneira, são condenados milhões de nômades cujo modo de vida é incompreendido. Relembremos a história recente dos Homens Azuis do Saara - os Tuaregs - que enfrentaram o absurdo de ter que apresentar papeis de identidade para ultrapassar as fronteiras que recortam o seu país de areia.
Os deslocamentos de população induzidos pelos motivos citados acima são, cada vez mais, "fugas frente à impossibilidade de viver". São populações empobrecidas, constrangidas pela miséria, as guerras ou a degradação do seu meio ambiente imediato. As populações deslocadas são trancadas em campos de refugiados, guetos, cidades de "edifícios-gaiolas" ou favelas nas margens das grandes cidades.
Ao mesmo tempo, aumentam os fenômenos de rejeição do estrangeiro (luta contra a imigração) e de intolerância frente ao Outro (racismo), o que induz as populações emigradas à marginalização. O sem-teto, que é também uma espécie de emigrante, será rejeitado da mesma maneira pelos seus compatriotas. A miséria na qual a pessoa se encontra vira motivo de exclusão.
Neste mundo parcelado e sedentário, está ficando cada vez mais difícil a busca de uma terra mais acolhedora. Os pobres, muitas vezes vítimas de sua evicção de territórios por eles ocupados no passado, têm que enfrentar a negação da liberdade de movimento e de estabelecimento, porém tão necessária para a sua sobrevivência e sua futura integração.
CONSTATAÇÃO B - Arcaísmo e modernidade da "consumação" demográfica"
Com a ajuda do conceito de "consumação", Jacques Weber explica que em todas as épocas as sociedades têm procurado proibir ou moderar o crescimento das coisas (consumação das riquezas) e dos seres humanos (consumação demográfica), para proteger a sua estrutura social.
Os bens em excesso são "queimados" de alguma forma em cerimônias e festas, envolvendo despesas faraônicas (grandes obras do tipo Pirâmides do Egito ou Castelo de Versalhes...), ou ainda, na aplicação de programas que parecem aberrantes ou desproporcionados (corrida armamentista). Comportamentos de desperdício típico da sociedade de consumo de massa, assim como o fenômeno de obsolescência acelerada dos meios de produção do sistema capitalista moderno, se enquadram, sem dúvida, nesta situação.
A consumação demográfica inclui diversas práticas sagradas e inúmeros hábitos sociais que miram diretamente a frear o crescimento das populações: enchimento dos conventos e monastérios na Cristandade e na Ásia budista, sacrifícios de mulheres férteis nas civilizações precolombianas, e também o acionamento de guerras. A lista de todos estes exemplos, que hoje nos parecem anacrônicos ou desumanos, é comprida. Mas temos realmente certeza de que acabamos mesmo com estas práticas? O aumento do número dos excluídos no Norte como no Sul não traduz uma crueldade social muito parecida? As nossas sociedades por acaso não se livram, também, através da exclusão, de um excesso de população que ameaça o seu equilíbrio interno?
O interesse do conceito de "consumação" é mostrar claramente que as forças que levam à evicção das populações excedentes, em geral não são naturais, mas consciente ou inconscientemente acionadas pelas sociedades para se defender. São acionadas por elites que antigamente eram religiosas ou militares, e hoje são civis; temos que reconhecer que estas últimas não vivem a coisa tão mal, já que disso depende a continuação de sua confortável existência. Talvez a consumação seja ditada também por um sistema econômico que se livra dos que não se inserem na divisão social do trabalho ou no projeto de consumação (populações tribais e classes do nível mais baixo da escala social). Vista assim, a exclusão social bem que aparece uma forma moderna de "consumação" demográfica, talvez a mais terrível que jamais existiu, já que ela nem se dá ao trabalho de disfarçar suas práticas bárbaras e fúnebres debaixo dos uniformes da religião, da ordem pública ou do exército.
Já conhecíamos a cara horrorosa do racismo, que condena o estrangeiro afastado dos seus semelhantes pela diferença da sua aparência física e sua pertença cultural. Hoje podemos ver a imagem insustentável da exclusão: o excluído, sozinho e sem recursos, frente à sua própria diminuição física, sua desorientação moral e sua morte social certeira, num mundo que não o quer mais.
FATOR 1 - A apropriação privada ou pública de todos os espaços viáveis
Um dos fatores essenciais dos fenômenos de exclusão é a tendência ao fechamento dos Estados-Nações em suas fronteiras, e, dentro deles, a apropriação privada ou pública de todos os espaços viáveis:
· O estabelecimento dos Estados modernos é acompanhado por uma inchação do domínio do Estado. Vastos territórios rurais são requisitados pouco a pouco e transformados em sítios de infra-estruturas públicas (redes de estradas, centrais elétricas, barragens hidráulicas, etc.) ou em zonas militares. Este fenômeno, já largamente em vigor nos países industrializados, de agora em diante toca também os países em desenvolvimento. Uma forma moderna de apropriação pública do espaço consiste em criar reservas naturais, das quais os autóctones são excluídos e às quais os turistas são atraídos. · Ao mesmo tempo, o processo de desenvolvimento do tipo capitalista liberal, que exige um reconhecimento constitucional do direito à propriedade particular, acelera a apropriação privada dos patrimônios fundiários e naturais. A propriedade dos espaços selvagens, das terras agrícolas e dos edifícios, transformada em objeto possível de intercâmbio mercantil, são progressivamente concentradas em mãos cada vez menos numerosas. O resultado é que constatamos hoje um desaparecimento dos espaços comunitários, assim como uma extrema desigualdade na repartição das terras e do patrimônio, pelo fato de que o acesso à propriedade pelo indivíduo exclui qualquer outro indivíduo ao mesmo direito de propriedade. No caso dos bens produtivos, em que o ser humano empenha a sua força de trabalho (incluindo a moradia para uma trabalhadora doméstica, a floresta para um artesão, o pasto para um criador, etc.), esta exclusão é eticamente irracional e constitui a raiz de qualquer outra forma de exclusão e alienação.
FATOR 2 - A urbanização galopante, círculo vicioso de exclusão
De acordo com os dirigentes, fina flor da elite urbana, reunidos em Istambul para a Cúpula do Habitat, em junho de 1997, a urbanização do planeta é um fenômeno inelutável. A única questão autorizada neste caso é saber como gerência da melhor maneira possível as massas humanas que afluem e continuarão a afluir para as cidades.
Não se trata aqui de refutar o fato urbano, totalmente inevitável num mundo cada vez mais povoado, como nos induz a pensar o postulado de Teilhard de Chardin sobre a "compressão planetária" ("a acumulação cada vez mais compacta de seres humanos em territórios cada vez mais limitados"). Por outro lado, as cidades foram, e continuam sendo, centros essenciais para as atividades políticas, mercantis, espirituais e artísticas das comunidades humanas. Porém, trata-se de denunciar categoricamente o caráter totalmente insustentável da urbanização atual em sua tendência a formar megalópoles de modo completamente desordenado, que não leva em consideração os equilíbrios ecológicos e as necessidades específicas das populações migrantes, na organização do seu novo espaço vital. O mito da cidade moderna não resiste a um exame das conseqüências ecológicas e antropológicas da urbanização.
"O ritmo atual de crescimento das megalópoles, ditado pela expansão soberana do 'neoliberalismo', só pode criar a longo prazo desastres ecológicos." Estes centros de população densa e de consumo exagerado criam uma enorme pressão sobre os recursos naturais disponíveis. De fato, a explosão urbana gera uma desertificação e uma esterilização das zonas rurais vizinhas que, ficando impróprias para viver, forçam famílias inteiras a se refugiarem nas cidades. O êxodo rural maciço, que reforça o fenômeno urbano, faz parte deste círculo vicioso.
As cidades modernas, baseadas em princípios funcionalistas e numa visão fragmentada do mundo, acabam separando o ser humano da natureza. Para muita gente, o resultado é um estresse mal vivido e uma ansiedade profunda que se manifestam de maneira mais extrema através do aumento da delinqüência, da dependência de drogas, de violência contra as mulheres, os idosos e os doentes, etc. Perdido na multidão, o indivíduo fica rapidamente isolado. Não dispõe mais de laços sociais que poderiam ajudá-lo a gerenciar a sua angústia; ele perde também as redes tradicionais de solidariedade que poderiam ter impedido a sua queda no precipício da exclusão social, na hora de dificuldades passageiras.
FATOR 3 - A imprevidência frente aos dramas previsíveis do subdesenvolvimento, das epidemias e da fome.
Frente à decadência econômica e social de certas regiões, tememos que não sejam aplicadas todas as soluções acessíveis para resolver os problemas ou para limitar sua extensão: de fato, as dificuldades de mobilização de fundos para a cooperação ao desenvolvimento estão aumentando, apesar dos sinais alarmantes do crescimento da pobreza. "Mais de cem países estão numa situação pior hoje do que 15 anos atrás. Cada ano, treze a dezoito milhões de seres humanos, principalmente crianças, morrem de fome ou de causas ligadas à pobreza", indica James Gustave Speth, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Igualmente, a fraqueza ou lentidão das reações frente ao surto de novas epidemias, como a AIDS ou a fome, cujo perigo é porém previsível, preocupam muito. Os famintos e os aidéticos se tornam, assim, vítimas da imprevidência proposital, que impede o acionamento de meios preventivos. De modo mais geral, é a escolha do modo de desenvolvimento que está sendo questionada aqui. Trata-se de reduzir a pobreza liberando os macromercados, as empresas e bancos globais, as agências multilaterais e a difusão do estilo de vida dos países pós-industriais, como quer o Banco Mundial? Ou trata-se de atacar os fatores que produzem o empobrecimento de trabalhadores e trabalhadoras, atuais e potenciais, no Norte como no Sul? Fazem parte destes fatores as relações comerciais desiguais e injustas entre Norte e Sul, o enriquecimento das elites e a concentração dos capitais e do seu controle, a dívida externa e a atual política de endividamento e ajuste estrutural, cujo objetivo é a integração subordinada e dependente das economias do Sul no sistema mundial do capital, o esmagamento da diversidade e da soberania territorial, sócio-econômica e cultural, através do modelo exógeno de desenvolvimento e crescimento, os diversos fatores de destruição ecológica, etc.
FATOR 4 - A indiferença frente ao sofrimento alheio.
'Não assistência à pessoa em perigo': tal poderia ser o ato de acusação de uma sociedade que deixa pessoas indigentes ao léu, sozinhas e sem teto, recusando-se a oferecer-lhes seu seio, apesar de opulento. Na América do Norte e na Europa Ocidental, os invernos passam sem que se tragam soluções de longo prazo que assegurariam um futuro a milhões de sem-teto. A assistência pública é o mais pobre dos serviços públicos, incapaz de compensar a falta de solidariedade comunitária por parte de populações enredadas num modo de vida produtivista e consumista. Ao contrário talvez dos países em desenvolvimento, as sociedades "desenvolvidas" não têm mais o projeto de integrar as classes sociais desfavorecidas. É aí que se situa uma das causas essenciais do apartheid social incipiente.
De repente, é todo um projeto de sociedade que desmorona, cujos fundamentos se encontravam nos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, entre outros, no Artigo 22: "Toda pessoa, enquanto membro da sociedade, tem direito à previdência social, cujo objetivo é obter a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao desenvolvimento livre da sua personalidade, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de acordo com a organização e os recursos de cada país."
FATOR 5 - A inconseqüência frente ao risco à identidade.
Não é surpreendente assistir ao ressurgimento das querelas étnicas, tribais, religiosas, e de constatar uma proliferação dos fundamentalismos de todo tipo, das seitas e dos movimentos populistas, como reação a uma sociedade impiedosa na qual os direitos fundamentais da pessoa humana são cada vez mais desrespeitados. A intolerância de uns responde à exclusão de outros, e gera novas exclusões.
As respostas trazidas, por um lado, pelos saudosos de uma ordem antiga, e por outro lado pelos partidários de uma fuga para a frente, não diminuem as tensões devidas ao aumento do "risco à identidade", enfatiza Patrick Viveret num ensaio recente. Pelo contrário, conduzem a situações explosivas, que deixam prever "o estabelecimento sorrateiro de um apartheid econômico e demográfico, e o enfraquecimento comprovado do laço político e do fato democrático. Levados ao extremo, desembocam em inelutáveis conflitos, até guerras, tanto mais mortíferas porque serão guerras do sentido."
FATOR 6 - A conivência frente à volta da barbárie
Num livro chamado " La violence et le sacré", René Girard indica que as sociedades de todos os tempos têm procurado um "bode expiatório social". Na França de hoje, são os imigrados e imigradas, denunciados como ladrões das riquezas nacionais ou agitadores, e é logo o magrebino que é jogado no rio Sena. Inversamente, na Argélia, é a modernidade ocidental que é posta no pelourinho, e todas as suas manifestações são selvagemente decapitadas. Nos dois países, discursos de ódio pronunciados por extremistas xenófobos recolhem um apoio popular crescente, que os responsáveis políticos mal inspirados tentam recuperar pela promulgação de leis indignas, que tomam por alvo o estrangeiro. Estas geram fenômenos de diabolização do estrangeiro e de retorno das sociedades sobre si próprias, que são extremamente preocupantes. Foram, no passado, sinais precursores de derivas totalitárias e os incendiários dos piores episódios de barbárie que a Humanidade já conheceu.
Aquilo de que precisamos, diz Patrick Viveret, é um projeto político e filosófico. Trata-se de deslocar a fronteira que soldava ontem as sociedades contra os inimigos externos, hoje impossíveis de encontrar, para "afrontar nossa própria barbárie interior. A nova fronteira, se ela tem geograficamente uma escala planetária, situa-se antropologicamente em nós próprios. Estamos diante da 'nova fronteira humana'."
PROPOSTA 1 - Promover a compreensão do outro - "a esperança cultural"
A fim de desarmar as tensões que conduzem à condenação dos estrangeiros, não conviria priorizar a promoção das trocas e do diálogo intercultural, que fazem da constatação das diferenças uma riqueza? A multiplicação das viagens de jovens de um país a outro oferece neste sentido um laivo de esperança, assim como a revalorização das artes populares tradicionais e modernas. Seria também o caso de reafirmar a importância da cultura e da espiritualidade nas trocas internacionais para suscitar uma admiração e um respeito recíprocos entre os povos.
PROPOSTA 2 - Uma outra visão do mundo - "a esperança no feminino"
A diminuição do ritmo do crescimento das populações confronta-se com o fato de que as mulheres, sobretudo na África, só são reconhecidas e respeitadas quando são mães de famílias numerosas. Urge encorajar outras formas de realização das mulheres, eliminando os numerosos obstáculos à sua participação na vida econômica, social e política. É tempo igualmente de reconhecer pelo seu justo valor o papel das mulheres na gestão do mundo. O aumento das rendas e dos patrimônios detidos pelas mulheres permitiria, além de uma elevação do seu status, garantir ao mesmo tempo a queda da fecundidade, a redução da mortalidade infantil e uma segurança maior para os pais idosos.
A questão de uma participação ampliada da metade reclusa da humanidade na vida pública ultrapassa de longe a dimensão apenas demográfica. É de fato toda uma outra visão do mundo que as mulheres trariam consigo, "fundada na cooperação, mais que na competição."
PROPOSTA 3 - Frear o crescimento das megalópoles - "a esperança no verde"
Contrariamente à tendência hoje dominante, mas assim mesmo recente, o reagrupamento em imensas megalópoles, a continuação de um movimento de ocupação de zonas de habitat e de atividade diversificadas parece mais adaptada par responder à exclusão. Não é essencial relançar a reflexão sobre a organização do território, pensado não mais no quadro da nação, mas no quadro do espaço local, onde se enraízam as culturas e os seres humanos em relação com seu meio ambiente? A título de exemplo, o conceito original de lares rurais autônomos ('assentamentos rurais auto-contidos'), proposto por Gandhi sem êxito na época, merece certamente um novo exame.
No Sul, a questão da preservação da zona rural está ainda muito viva. Anil Agarwal, conhecido ambientalista indiano, nos ensina que no fim do século haverá três indianos por hectare e um risco maior de esgotamento dos recursos naturais. O objetivo principal é, pois, segundo ele, um aumento equitativo e durável da biomassa, que não repousaria apenas no desenvolvimento tecnológico (mecanização, biotecnologia), freqüentemente desrespeitoso dos ecossistemas complexos e frágeis das aldeias, mas primeiro que tudo numa participação das populações na regeneração do seu meio ambiente. Conviria para isto restituir aos mais desprotegidos o direito de uso dos espaços coletivos que são as florestas e as terras públicas e privadas. Seria o caso igualmente de relançar o processo de redistribuição das terras, que foi abortado cedo demais.
PROPOSTA 4 - A reapropriação do espaço pelos despossuídos - "A esperança nômade"
Devemos continuar na via esclerosante da sedentarização do planeta ou, ao contrário, almejar uma maior liberdade de circulação das pessoas e a multiplicação de espaços de acolhimento, nos quais o dinamismo próprio aos migrantes encontraria formas de se manifestar?
Na sua obra mais recente, Noël Cannat nos oferece reflexões particularmente estimulantes sobre o que ele chama de "a esperança nômade". A salvação poderia vir, segundo ele, de representantes - os povos nômades e aborígenes, os camponeses e os pastores, os rurais emigrados, os excluídos dos países ricos - que conservaram traços do espírito nômade. Segundo ele, "a alternativa não está entre um crescimento sem freio e um desenvolvimento sustentável, duas perspectivas igualmente sedentárias, mas entre um discurso sobre o mundo visto como um objeto manipulável para todos os fins, e uma visão do mundo considerado como um pasto para as comunidades desejosas antes de tudo de preservar sua coesão interna e sua liberdade de movimento, se acomodando à penúria".
Ir no sentido de uma maior liberdade de movimento. Apoiar-se sobre a extraordinária capacidade de adaptação dos seres humanos. Favorecer a prática ancestral da migração, inclusive no interior dos países, apoiando o estabelecimento autônomo de populações marginalizadas, mas também a colonização de locais deserdados com demasiada pressa. Tantas respostas contra a corrente da lógica atual de fechamento das populações.
Mas a reapropriação do espaço em benefício das populações despossuídas não se fará sem um delicado questionamento do direito de propriedade. Um exemplo histórico famoso vem apoiar esta afirmação: a expropriação dos bens nobiliários e da Igreja durante a Revolução Francesa de 1789. Estão em questão hoje os patrimônios detidos por pessoas morais (grandes empresas, coletividades locais, Estado...) e pelos grandes proprietários privados. A fim de proceder a uma repartição mais justa dos patrimônios, não seria o caso hoje de empreender uma formulação de novos princípios e valores para legitimar a propriedade privada, a saber, sobretudo, o trabalho e a reimplantação familiar ou coletiva em equilíbrio dinâmico com a natureza?
QUESTÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS
PARTE 2 - UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA
"Os tempos modernos são a época da exploração sistemática e sem limites dos recursos naturais; da exploração dos povos ditos "primitivos", conquistados; e, finalmente, da exploração sistemática do homem médio". Norbert Wiener, "Cibernética e Sociedade", 1954.
CONSTATAÇÃO - A crença desmedida na onipotência da economia.
Desde o Neolítico os seres humanos, ou melhor, as mulheres, têm encontrado outro meio de responder à punção adicional feita na Natureza por uma população mais numerosa. Não se tratava mais de agir diretamente na demografia, mas de aumentar, ao explorá-la, o rendimento da terra. A invenção da agricultura oferecia uma resposta mais branda (feminina?) à pressão demográfica. A emergência do comércio seguiu-se. Este voltava a tomar lá o que faltava aqui, e vice-versa. Mais tarde, o Ocidente se lança a exacerbá-lo nesta via de crescimento da produção e das trocas, passando ao estágio mercantil e industrial, colando nele o nome terno de "desenvolvimento".
Num tal contexto, a potência dos mecanismos econômicos que permite responder ao crescimento exponencial das necessidades das sociedades humanas, é vigorosamente solicitada. Ela é logo venerada, assim que os povos necessitados constatam de fato o formidável e repentino crescimento dos bens disponíveis.
Se para obtê-los é necessário vender em troca recursos preciosos, às vezes insubstituíveis, dobrar ou triplicar seu tempo de trabalho para multiplicar a produção de bens de troca, ou ainda sujeitar-se a um chefe em troca de um salário, pouco importa já que a necessidade é premente.
Assim se instala a dominação da economia sobre a sociedade, que parece irreversível pois, uma vez satisfeitas as necessidades essenciais, a economia toma as rédeas em resposta à ansiedade de acumular riqueza dos indivíduos. Baseando-se no exemplo da liberalização do comércio dos cereais na França entre 1763 e 1770, Dominique Carrère defende a tese de que teríamos passado, com os fisiocratas, de uma economia de subsistência a uma economia que propõe a opulência. Os seres humanos passaram, então, do mínimo de conservação da existência, à máxima fruição. Pouco a pouco uma "economia política da fruição" se instalou.
Hoje em dia, esta crença na possibilidade de um "crescimento ilimitado" forma sempre o núcleo do conceito norte-ocidental de desenvolvimento, posto como pensamento e doutrina única para o mundo inteiro. Esta crença justifica um processo de globalização centrado exclusivamente nos mecanismos do mercado, a tendência à concentração do capital e da riqueza e o valor da competição, mesmo quando esta tem um caráter predatório. Ora, este modelo nos parece estar na raiz das crises contemporâneas de excesso de produção (incluindo os rejeitos), da exclusão social crescente, do esgotamento dos ecossistemas, e da redução do poder de compra das massas, que provoca uma redução da demanda efetiva.
No entanto, não basta concordar com a denúncia dos riscos genuínos que o sistema capitalista e liberal em via de globalização impõe à humanidade e ao Planeta. Numerosas oportunidades surgem ao mesmo tempo (como a diminuição da necessidade de trabalho assalariado para a produção de bens); trata-se de reconhecê-las e aproveitar-se delas para construir em novas bases um sistema econômico e social mais justo e solidário. Entre os principais desafios do próximo século e milênio citamos: a invenção de novos sistemas de remuneração e de redistribuição, de controle e de partilha dos bens produtivos, sobretudo na base de uma redefinição dos conceitos, centrais em economia, de valor e de trabalho; a formulação de normas ecológicas que impõem limites à exploração dos recursos; a definição de critérios de orientação da produção, do comércio e do consumo, introduzindo as noções de necessidade e de suficiente; a promoção de outra forma de globalização, de natureza participativa e solidária, tendo como principal referência o comunitário a nível local em toda a sua dimensão cultural, em estreita ligação com os níveis regional, continental e global; etc.
FATOR 1 - O "dinheiro-rei" -- vetor de injustiça social.
Inspirando-se na tese de Karl Polanyi , segundo a qual as sociedades tradicionais foram deslocadas pela generalização do mercado auto-regulador, e sua extensão, além das mercadorias produzidas, à terra, ao trabalho e ao dinheiro, o economista francês Michel Beaud nota que " (...) o mercado auto-regulador reduz as relações humanas e sociais a relações de dinheiro; a existência enquanto homem, mulher ou criança na sociedade passa de agora em diante pelo dinheiro disponível (...) Tendo afastado Deus, a sabedoria e os valores que deveriam servir de cimento, não sobra nada para servir de móvel social, a não ser o dinheiro e a compra de mercadorias; sua eficácia é baseada na desigualdade - sendo que os mais ricos estão preocupados em manter ou aumentar o hiato e os outros procuram subir na escala. (...) Daí as desigualdades e a exclusão sempre renovadas. Daí também as violências contra os recursos do planeta e os equilíbrios planetários, as espécies vivas e a vida. (...)"
FATOR 2 - A ciência e o mercado, responsáveis pela dupla ruptura ecológica e social.
Na "Plataforma por um Mundo Responsável e Solidário", assinada por mais de 2.000 pessoas em mais de 100 países, a crença exagerada na ciência e no mercado são explicitamente designadas como responsáveis pela dupla ruptura ecológica e social que está na origem dos desequilíbrios do mundo atual.
Sem os danos de uma ciência cega e de um mercado guloso, o desenvolvimento seria certamente uma via possível. Mas para isto é preciso respeitar escrupulosamente a lógica do ser vivo e as regras de partilha da vida na sociedade, ambos preceitos ignorados pelo modo de desenvolvimento capitalista e liberal. Finalmente são os mitos da ciência moderna e do mercado, fabricados no Ocidente, que temos que interrogar em profundidade e questionar, se queremos dar à humanidade uma chance de continuar o seu caminho.
PROPOSTA 1 - Formular um novo conceito de desenvolvimento participativo e endógeno.
A cooperação internacional para o desenvolvimento tomou seu verdadeiro impulso no fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições internacionais de desenvolvimento. Mais recentemente surgiu um verdadeiro entusiasmo pelo trabalho das organizações não governamentais nos países do Sul. Inúmeras escolas se alternaram para propor modelos milagrosos de desenvolvimento. Frente aos desequilíbrios persistentes entre o Norte e o Sul, e também o empobrecimento da diversidade cultural no mundo, várias perguntas surgem: Quais são as motivações reais dos países doadores? Em que medida intervêm motivações subconscientes de origem histórica (vontade dos antigos colonizadores de comprar ou de manter a influência) e religiosa (disposição cristã à caridade) na política de cooperação dos países ricos? Qual é o lugar da generosidade (em resposta a necessidades locais reais) e o do interesse comercial e estratégico? O discurso e as práticas do desenvolvimento que conduzem à generalização do modo de vida ocidental em escala planetária, não seria uma pura e simples ilusão que levaria à destruição dos recursos e das culturas locais?
Ao contrário de UM conceito de desenvolvimento exógeno e das práticas atuais de cooperação dos países ocidentais aplicadas com forte apoio das elites dos países do Sul, não seria melhor promover VÁRIAS noções autóctones de desenvolvimento e formas de cooperação adaptadas às condições locais e enraizadas nas culturas dos povos em questão? Esta idéia, evidentemente, não dispensa os países ricos da obrigação de se solidarizar, até de compensar prejuízos já perpetrados.
PROPOSTA 2 - Repensar a Globalização.
Muitos já concordam em dizer que as empresas transnacionais e as instituições financeiras mundiais têm uma responsabilidade maior pelos problemas ecológicos e sociais atuais. Não conviria opor-se aos instrumentos da globalização? Não se deveria também encontrar alternativas a esta globalização, que respeitem as diversas culturas do mundo e preservem os recursos do planeta? Como estabelecer relações internacionais equilibradas nos âmbitos econômico e comercial, monetário e financeiro que sejam benéficas a todos os parceiros?
PROPOSTA 3 - Organizar o decrescimento econômico do Norte.
Num texto não publicado de maio de 1995, Louis Bretton, da CIMADE, França, escreve que "a organização e o funcionamento do sistema econômico das sociedades do Norte contribui para manter na opressão e na pobreza países do Sul por um fator maior: destróem muito mais que a sua parte dos recursos não renováveis. (...) Para poder sequer conceber uma repartição mais eqüitativa dos recursos entre o Norte e o Sul, é necessário que o Norte reduza o consumo desses recursos. (...) Todo discurso sobre o desenvolvimento que não se inscreve nesta perspectiva é vão, hipócrita ou mentiroso."
PROPOSTA 4 - Por uma economia a serviço dos seres humanos.
"A globalização das trocas, o primado da economia de mercado, a corrida para a excelência tornam certamente a economia cada vez mais eficaz e aumentam a produtividade do conjunto, mas excluindo (ou explorando) pessoas e países que não conseguem acompanhar o trem do progresso, que não são competitivos."
Esta constatação leva Patrice Sauvage a defender a promoção de uma "economia plural". Dois caminhos são possíveis:
· "admitir e valorizar várias atividades econômicas a montante da economia mercantil globalizada". Numa perspectiva herdada de Fernand Braudel, trata-se de "revalorizar o papel da economia de subsistência e da economia de mercado local frente à economia-mundo".
· "Favorecer misturas entre as diferentes formas de economia (de mercado, pública e de reciprocidade), que permitam articular os recursos do mercado, da esfera pública e da sociedade civil para criar novos empregos e atividades que atendam as necessidades não satisfeitas (...)" É a via mais promissora da "economia solidária" que visa reconhecer e permitir a multiplicação de atividades criadoras de laço social.
PROPOSTA 5 - Questionar a distribuição das rendas.
Como já vimos antes, "o horror econômico" se apoia em grande parte na atribuição de um valor monetário a todas as coisas (processo de mercantilização). Ora, existe um meio de tirar o dinheiro do pedestal no qual subiu pelo seu poder ilimitado de aquisição dos recursos naturais e humanos. Este meio consiste em questionar a distribuição atual das rendas interessando-se acima de tudo pelos meios de subsistência das populações situadas nos dois extremos da escala social (os muito ricos e os muito pobres).
Não seria prioritário fixar limites ao enriquecimento das pessoas físicas e morais, que tem um caráter cada vez mais chocante neste período de exclusão social maciça? Não é necessário, de certa maneira, civilizar os ricos, ou seja, relembrar-lhes que a sua riqueza provém de uma civilização na qual eles talvez tenham participado ativamente, mas onde eles não estão sozinhos?
No outro extremo da escala social, as pessoas mais pobres poderiam ter garantida uma renda mínima financiada pela coletividade com o objetivo de preservar a integridade física e a dignidade dos seus membros mais vulneráveis. Na Europa está em processo um debate sobre a forma que deve tomar tal mecanismo de solidariedade social (Renda Mínima de Inserção, Renda Mínima de Existência, Dotação Universal, etc.)
PROPOSTA 6 - Libertar a iniciativa econômica das pessoas desfavorecidas.
Em vez de proibir ou reprimir a economia subterrânea ou informal, não seria melhor incentivar o seu desenvolvimento, mesmo privando-se por um tempo dos recursos fiscais, e reintegrar mais tarde estas atividades na legalidade? Entendamo-nos: não se trata de incentivar atividades ilegais e perigosas (droga, armas...) ou uma sobre-exploração de trabalhadores (oficinas clandestinas...), mas de retirar barreiras na entrada (altas taxas de juros, depósitos de garantia exorbitantes, regulamentação sanitária demasiado meticulosa, etc....), que entravam a iniciativa econômica e que às vezes só se justificam para proteger a situação de produtores instalados.
Não desencorajar, mas sim encorajar também atividades criadoras de meios de existência ou de renda particularmente nos meios pobres, sobretudo facilitando o acesso à produção própria e ao crédito.
PROPOSTA 7 - Relações e trocas sem moeda.
Outro meio de destronar o dinheiro-rei é encorajar a eclosão de relações e trocas entre os seres humanos não mais baseadas no fator monetário, mas em sua utilidade social. Neste quadro não mercantil se inscrevem inovações sociais como:
· o estabelecimento de 'Redes de Trocas de Saber' na França e no Brasil; · o desenvolvimento nos países anglo-saxões e na França de "sistemas de troca local" (SEL em francês, ou LETS, em inglês); · o funcionamento de "economias de comunhão", na Itália...; · o desenvolvimento de "comunidades intencionais" na América do Norte.
PROPOSTA 8 - Socializar a riqueza das sociedades.
Pôr em questão a economia tem a ver também, paradoxalmente, com reconhecer o lugar crescente que esta tomou no funcionamento global das sociedades. Não seria o momento de tomar a medida de socializar cada vez mais a economia, sobretudo colocando em evidência, como nos convida o economista Michel Porter, a importância essencial dos investimentos públicos e das transferências sociais para a prosperidade econômica?
Paralelamente, se trataria de aumentar a transparência das escolhas públicas efetuadas pelos tomadores de decisões políticas e administradores públicos, pois essas escolhas se identificam, muitas vezes, com incentivos pagos pela coletividade a agentes privados, empresas ou consumidores.
Num contexto de socialização crescente da economia, onde as transferências sociais e os investimentos públicos são a própria condição do exercício próspero de uma atividade econômica, seria absurdo exigir que mega-empresas e certos cidadãos prósperos que contribuam, em retorno, à coesão social?
À crescente produção social de riquezas deve corresponder uma socialização da riqueza produzida ou retida.
PROPOSTA 9 - Refundar a economia numa nova análise do valor.
Todas as reflexões e iniciativas que tendem a alargar a esfera econômica fora da esfera estritamente mercantil, são encorajadoras porque contribuem a "abrir uma polêmica contra a ciência econômica" do modo como esta tem sido construída nos dois últimos séculos. Nos convidam a pensar uma nova distribuição e uma nova utilização das rendas e riquezas criadas pela atividade econômica das sociedades humanas.
A questão essencial é saber como proceder frente ao que aparece, sem mais nem menos, como uma refundação de todo o sistema econômico. Talvez levando a ciência econômica a reencontrar seu questionamento original: o valor.
Certas reflexões inovadoras sobre o valor abrem o caminho para uma superação da Economia Política tradicional, seja de tradição marxista ou liberal. O economista canadense Gilbert Boss nos convida, por exemplo, a reconhecer "os méritos mal julgados do conjunto dos fatores que realmente contribuem ao enriquecimento geral", ou seja, o patrimônio cultural e técnico. É nestas novas bases que se deveria reconstruir a ciência econômica, que nos seus fundamentos atuais não tem a faculdade de conceber respostas aos problemas do mundo moderno.
PROPOSTA 10 - Repensar o trabalho.
A filósofa Dominique Méda nos convoca a reconhecer a historicidade muito marcada das nossas sociedades baseadas no (alienadas pelo) trabalho. Em menos de dois séculos, o trabalho virou um "fato social total", sustentado pelos pensamentos cristãos, humanistas e marxistas, que concordam em atribuir-lhe virtudes para o desabrochamento dos seres humanos e de sua socialização. Ao mesmo tempo, ele é muitas vezes um meio ao serviço da lógica capitalista e a subordinação é o coração do trabalho assalariado.
Marcos Arruda, economista brasileiro, nos convida a repensar o trabalho como toda ação consciente, intencional que gera uma transformação no mundo e reciprocamente uma transformação de si mesmo. Segundo ele, "o problema da alienação é justamente que o nosso mundo, centrado no valor capital (e não no valor trabalho) cria uma fragmentação do ser humano em relação às suas ações transformadoras do mundo e de si mesmo. (...) O restabelecimento de sua capacidade de criação e de inovação livre - 'o trabalho livre' - é uma condição de sua emancipação e de sua integração plena enquanto sujeito/ator consciente e ativo na evolução cósmica. 'A utopia do trabalho livre' está enraizada na nossa realidade humana e nos nossos potenciais de evolução individual e coletiva, portanto, é uma utopia realista."
Esta utopia poderia apoiar-se "na mutação tecnológica e na transformação sócio-cultural" que as sociedades modernas vivenciam, para chegar à emancipação humana, ao surgimento da criatividade de cada um e à interação fecunda, cooperativa e solidária com os outros e com a natureza.