JAIRO CARNEIRO*

Secretário geral da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e participante do CASA -Coletivo Autônomo de Solidariedade Autogestionária

Entrevista concedida a Cleusa Prates (assessora de cooperativas).

Proposta - Ao lado desse processo de desmonte e privatização das políticas sociais, principalmente no campo da saúde, habitação e educação, o governo apresenta uma série de propostas que são parecidas com aquelas que a esquerda há muito tempo vem defendendo, tais como os conselhos, a descentralização das políticas sociais, a gestão em âmbito local. Isso não tem feito com que a oposição fique perdida em parte por ter que questionar suas próprias propostas?

Jairo- O governo não tem vergonha de usar nossas bandeiras. Quando fala que é preciso a participação popular nos Conselhos, nós não conseguimos avançar, dizendo, por exemplo: "Nós queremos mais do que isso, nós queremos fazer propostas". E aí temos que ter a capacidade de formular propostas que sejam viáveis. Não adianta vender o ideal. O ideal é o ideal. Em Porto Alegre, nós vamos fazer uma bela gestão da Prefeitura, vamos fazer uma cidade até bonita, limpa, etc. Mas vamos continuar com os mesmos números de desempregados que existe no Brasil, com os mesmos números de pobres, etc. Então o problema todo é como vamos ser capazes de propor algo que mude substancialmente a vida das pessoas. E mais: que o público passe a ter controle.

Temos um brutal desemprego no País. Ao colocar uma máquina nova na fábrica o patrão despede os trabalhadores. As empresas no Brasil podem mudar as máquinas, os processos de trabalho na hora que bem entenderem e demitir os trabalhadores. A partir daí, isso é um problema do Governo, da Assistência Social. Então, neste aspecto, talvez a questão mais difícil é a de valorizarmos as experiências que estão sendo feitas por um conjunto de trabalhadores, que é a de ter em suas mãos as duas pontas: ter o trabalho e o capital. São experiências pequenas, são experiências que em outros países da Europa tem um peso muito maior. Mas a nossa esquerda não acredita nisso como uma solução para a nossa economia. Ela acha que a única saída é tomar o poder político e, a partir daí, definir como vai ser o País dali para a frente. Isso não é possível. Imaginem o Lula, presidente da República. Ou ele negocia com os empresários e negocia bem, ou a fuga de capitais vai ser algo concreto porque os capitais hoje são voláteis. Uma fábrica se desmonta em um mês e se monta em outro lugar com a maior facilidade. Portanto, hoje, a nossa discussão tem que ser muito ampla. Na verdade hoje, não adianta muito fazer greve em uma empresa de automóveis em São Paulo porque a da Argentina supre a demanda, o México supre a demanda. Os carros são mundiais, nós perdemos peso político. Se pararmos a Volkswagen aqui, tem outras Volkswagens no mundo que fornecerão o carro. Hoje há uma série de marcas diferentes, ninguém vai morrer se não produzir Volkswagen. O poder econômico e político dos trabalhadores frente a essas definições diminuiu muito.

Temos que buscar outras formas de luta e organização sindical, e temos que começar a discutir como é que nós participamos efetivamente da gestão. Então não somos mais produtores só, queremos planejar e produzir, nós queremos fazer gestão. E a gestão do trabalho é algo que necessariamente qualifica os trabalhadores, isso é mais importante. Os trabalhadores têm que se qualificar como condição para poder gerir uma empresa. Gerir uma empresa cooperativada significa poder dividir conjuntamente, de forma organizada e discutida com os trabalhadores, a renda desse trabalho. Significa discutir investimento, modernização, qualidade, gestão.

Eu quero dar um exemplo. É tudo experiência pequenina aqui em Porto Alegre. Uma cooperativa de trezentas e poucas mulheres de terceira idade que fazem roupas. Nesta empresa as mulheres trabalham e convivem. Aconteceu que elas conseguiram, junto à Prefeitura, o financiamento de uma máquina moderna. O que aconteceria numa empresa comum com a entrada de uma máquina moderna? Trabalhadores seriam demitidos e aumentaria o lucro da empresa. Nessa aí foi o contrário. Manteve-se todas as trabalhadoras e aumentou-se o tempo de convivência, o tempo livre. E o que elas fazem com esse tempo? Formação profissional, de educação, de saúde. Essa é uma opção social: ou seja, a máquina vem ajudar o homem, ela vem diminuir o esforço físico e nos dá mais tempo para a convivência, para a preparação, para o lazer, para a cultura, etc. É uma vida completamente distinta e esse é o centro da discussão hoje.

Não coloco as cooperativas auto-gestionárias como única solução, mas afirmo que se continuarmos com essa visão somente da disputa pelo poder político - quando, inclusive, cada vez mais o poder político tem menos possibilidade de controlar o poder econômico -, nós não vamos muito longe. É preciso trabalhar na economia, é preciso organizar os trabalhadores, as pessoas que empreendem, que trabalham coletivamente, para que o emprego não tenha dono. Quer algo mais socialista que uma empresa onde todos os trabalhadores que nela trabalham sejam donos e dividem igualmente - o igual não significa a mesma retirada no fim do mês, é a partir da necessidade que dividem aquilo que ganham -, as dificuldades e as coisas boas? Esse é o futuro.

Proposta- Fale um pouco da experiência de cooperativa.

Jairo- São experiências rurais. Nós temos uma grande experiência aqui de cooperativas rurais. Mas, qual é a visão que passaram as grandes cooperativas? É de que juntam trabalhadores, fazem uma grande empresa e vão vender no mercado capitalista. Em pouco tempo a cooperativa impõe as condições de qualidade de peso, de produção e o cooperado passa a ser quase um empregado da cooperativa. A cooperativa passa a ser uma empresa capitalista comum. Hoje ressurge a discussão sobre a cooperativa, dizendo que ela tem que ser diferente, tem que ser controlada pelos que produzem.

Há uma série de experiências muito bonitas, e o interessante é que essas experiências são revolucionárias porque agregam um fator fundamental além do controle dos trabalhadores: o de criar a soliedariedade entre os pequenos produtores. Elas trazem algo de novo: as pessoas se questionam sobre a qualidade de vida. Já querem fazer produtos de suínos, por exemplo, que não sejam suínos criados com hormônios, que sejam suínos criados dentro de uma visão ecológica. Ou seja, agregam elementos revolucionários à experiência.

Os trabalhadores estão procurando novas formas. Tem encontro de formação com cem, duzentos trabalhadores que aprendem e discutem. São os próprios trabalhadores que estão buscando uma nova forma de produzir ecologicamente correta. Então qual é o outro passo? O outro passo é como vamos dar guarida a esse produtos nas cidades. Vamos fazer com que esses produtos vendam nas cidades.

Proposta - Como é que isso está articulado com as experiências urbanas? E como é que está sendo feito? Quais as experiências urbanas que existem em termos de cooperativas?

Jairo - Concluímos que é preciso criar um mercado alternativo para esses produtos. Só para viabilizar os produtores? Não. Nós devemos viabilizar os consumidores. Nós vamos disputar uma fatia do mercado que hoje está nas mãos dos grandes grupos econômicos que compram o leite no interior por R$ 0,18 a litro e vendem nas cidades a R$ 0,60 ao litro. As experiências que vários sindicatos rurais ligados à CUT fazem, com cooperativas de leite, têm significado pagar até R$ 0,25 ao litro do leite e podendo colocar o litro de leite em Porto Alegre a R$ 0,50 ou R$ 0,60. Nós passamos a discutir a toda a roda da economia a produção, a comercialização e o consumo. Então nós não podemos esperar que esses trabalhadores rurais produzam produtos corretos em termos de ecologia e depois vendam para o Carrefour. Agindo assim, só haverá comprador quando o Carrefour entender que vale a pena. Mas e quando entender que não vale mais? Aí ele salta fora e os produtores ficam sem comprador. Nós temos que criar também um mercado paralelo. E como é que se constrói esse mercado paralelo? Com cooperativas de consumo.

Proposta - Isso coloca em discussão a questão do trabalho que pode ser resolvido de uma forma coletiva, cooperativada. Isso poderia ser uma alternativa ao desemprego como está sendo colocado hoje em termos nacionais e em nível de organização da economia e organização dos trabalhadores?

Jairo - Não tenho dúvida. Uma coisa é dizer que quando o governo abre as fronteiras para o calçado chinês ele afeta o mercado interno, a produção interna e aí vem o desemprego. Mas isso é conjuntural, se o governo disser que não compra mais calçado chinês, a empresa brasileira de calçados floresce de novo, portanto essa é uma questão conjuntural. As mudanças tecnológicas não são conjunturais, são estruturais e devíamos aplaudí-las com toda força. Que bom que não precisamos trabalhar tanto para garantir a nossa sobrevivência, ou seja, a reprodução da força de trabalho. Não precisamos trabalhar tantas horas para comer, vestir e termos onde dormir. Não estamos falando no lazer, na cultura, nas férias. Estamos falando só no básico que é sobreviver. Nós devíamos estar felizes, precisaríamos de menos homens para trabalhar na arte de sobreviver. Mas para nós isso virou um pesadelo porque esses trabalhadores são excluídos do mercado. Ora, então temos que mudar a forma de trabalho.

Agora, quando em Porto Alegre dizemos: "queremos ocupar a fábrica de fogões Walig que está para fechar e tem um débito imenso com os trabalhadores e não está pagando; quando sentamos e discutivos sobre tomarmos esta empresa e fazer dela uma cooperativa, porque estamos organizados e discutindo com todos os trabalhadores, aí sim os empresários se assustam. Fazer greve? Não assusta mais. Quando é para discutir e botar carro de som na frente da fábrica, eles não se assustam mais. Se assustam quando os trabalhadores começam a pensar em alternativas para eles próprios dirigirem a empresa. Isso é um golpe mortal para o capitalista. Então isso é que devemos compreender. Claro que não vou ser ingênuo de dizer que as cooperativas são a solução econômica do Brasil. Mas é só esse tipo de trabalho - por nós organizado - que vai possibilitar dar emprego e trabalho para uma série de pessoas.

Proposta - Qual é o papel do sindicato em uma cooperativa?

Jairo - É cuidar para que ela seja realmente uma cooperativa, que não apareça um vivo que tome conta e faça dos trabalhadores seus empregados. É um papel nobre do sindicato cuidar da cooperativa para que a cooperativa pague a Previdência, para que cuide das condições de trabalho, da saúde, para que a gestão realmente seja dos associados, etc. O sindicato tem imenso papel a cumprir caso existam muitas cooperativas.

Proposta - Como é que está reagindo o sindicalismo hoje?

Jairo - De início o sindicalismo reage, o sindicato é contra. Se acabarem os trabalhadores operários da empresa eu vou brigar com quem? Eu vou falar mal de quem? Eu vou ser contra quem? Essa visão permeia os sindicatos. Com uma cooperativa o tratamento é outro, você tem que ser mais competente. Aliás, hoje os sindicatos têm que ser mais competentes. Nós já percebemos em Porto Alegre, nos metalúrgicos, que discursar em uma empresa atrasada é uma coisa, discursar em uma empresa tecnologicamente avançada é outra coisa. Os trabalhadores não nos ouvem, porque o nosso linguajar ainda é de quem passa fome, de quem ganha pouco, mas os trabalhadores não passam fome, não ganham pouco, ou seja, estão incluídos e para serem incluídos é porque tecnicamente são competentes. Entendem que o sindicato não é necessário.

Vamos nos organizar melhor. Aqui no Sul, estamos tentando dizer a alguns sindicalistas (nem todos) e mesmo fora do sindicato, que é possível buscar novas alternativas. Há alternativas que, para mim, são revolucionárias porque, em primeiro lugar dão poder aos trabalhadores; segundo, fazem os trabalhadores pensar o mundo de forma mais ampla, e a prova que eu te dei é a área rural que incorporou a discussão da agroecologia como algo inerente. É possível que a gente tenha empresas economicamente viáveis, sob o controle absoluto dos trabalhadores, com capital dos trabalhadores.

Proposta - Essas são experiências concretas?

Jairo - Concretas. O que vamos dizer para quem não tem emprego? Nós temos que dizer: "Vamos buscar formas de produzir de maneira solidária e coletiva, vender de forma solidária e coletiva, vamos criar um mercado próprio e vamos mudar as estruturas" É um debate absolutamente rico. Mas é um debate que esta cheio de preconceitos, porque a cooperativa tomou incorretamente a forma de terceirização. Em Porto Alegre, a Prefeitura, terceiriza. Ou seja, nossa vida é uma contradição, um discurso mas outra prática. Nós temos essa possibilidade de fazer um grande debate. São mais de 70 cooperativas de habitação, dezenas de cooperativas de produção no Estado do Rio Grande do Sul. Organizadas e articuladas entre si, passam a ter um poder e um peso econômico. Isso significa dizer que podemos disputar em outro nível. Não só em nível de Estado, do aparelho do Estado, na área política, mas disputar na economia.

Proposta - Quanto a essa iniciativa em termos da articulação no campo das cooperativas habitacionais, com as de produção rural e as de trabalho, está havendo um caminho no sentido de se criar uma rede? Que experiência é essa?

Jairo - A experiência é com os trabalhadores rurais filiados a CUT. Nós tivemos uma série de reuniões e estamos comprometidos em criar, nas cidades, o mercado para os produtos agrícolas feitos de forma cooperativa. Só para dar um exemplo. Estamos agora montando uma fábrica de leite de caixa, que é um leite mais duradouro. Isso significa que nós vamos comprar e trazer para Porto Alegre esses produtos e começar a articular, grupos de famílias de trabalhadores que se articulem para comprar de forma mais barata e organizada. Então temos produção e consumo nas cooperativas que abrem uma loja e vendem, mas precisamos também organizar o povo em cooperativas de consumo para buscar a produção barata e de qualidade. Estamos levando adiante essa discussão, que está avançada e acho que até o final deste ano, teremos a primeira rede própria, que significa consumir erva mate, leite, produtos suínos, etc., usar a capacidade real e inclusive possibilitar o planejamento da produção.

Na medida em que se tem um pedido organizado de tantos produtos, também pode-se ter a produção organizada para que não se percam produtos nesse meio de caminho. O fato de produzir, comercializar e ter o consumo de forma cooperativa significa uma diminuição do custo real e mais emprego para muita gente. Quer dizer: quem articula a cooperativa no bairro vai ganhar dinheiro, porque vai vender, vai levar o produto, vai buscar. Queremos cuidar para que os produtores não digam: "Bom, agora que existe um armazém em Porto Alegre, botamos lá o produto e pronto". Queremos que eles se sintam responsáveis. A cooperativa de comercialização tem que ser uma cooperativa controlada por produtores e consumidores e não pelo comerciante.

Proposta - Quem está fazendo isso? É um fórum, uma rede?

Jairo - A gente tem dado o nome de rede. Mas como ainda não é uma coisa oficializada, temos várias reuniões, inclusive agora - com a vinda dos companheiros da Espanha - teremos reunião com as equipes rurais. Há uma reunião que junta as cooperativas do interior. Isso já está em funcionamento. Tem uma comissão que, junto com trabalhadores de cooperativa de trabalho e de habitação, está buscando ver como é que se viabiliza. E para nós isso tem um sentido de urgência porque quem está produzindo precisa ter resultado no campo. Nós estamos até, na realidade, atropelando a forma, mas vamos começar a trazer os produtos para cá e começar a vender.

Vamos fazer um esforço e tentar porque achamos que as pessoas conhecendo os produtos, se disponham a ser sócias. E, em sendo sócias, podemos dizer: "Este estabelecimento só vende para quem é sócio". Não é com o sentido de fechar o mercado. Mas é com o objetivo de criar um mercado próprio, criar uma segurança para quem produz e assim quem produz poderá investir porque sabe que vai ter retorno, e a partir daí nós vamos começar a dizer: "Bom, se nós dominamos parte da economia temos um novo viés para discutir o poder para além das eleições".

Proposta - Queremos construir uma nova visão em termos de que essas experiências sejam realmente uma alternativa no plano do desenvolvimento econômico diferente do que está aí, queremos um plano do desenvolvimento econômico realmente solidário. Quais são os desafios que estão sendo colocado para nós hoje?

Jairo - Para mim o maior desafio de todos, e isso tanto no nível de partidos políticos, quando no nível de sindicatos, é voltar a conversar com os trabalhadores. Parece simples? Parece, mas não é. Parece que conversamos, mas na realidade nós discursamos para os trabalhadores. Um sindicato representativo tem que perguntar ao trabalhador se ele quer estar num sindicato ou não. Hoje o trabalhador não diz isso. Ele está no sindicato porque o Estado já decidiu por ele. Então os trabalhadores vão começar a ter uma participação e dizer: Eu quero ou não quero". Vai ser difícil no começo? Vai. Para mim este é o desafio. Como é que nós vamos ser capazes de ser representativos e não representantes.

Proposta - E para isso você acha que tem que mudar a estrutura sindical?

Jairo - Mudar imediatamente. Liberdade sindical e fim do imposto sindical. O sindicato se organiza a partir da sua representatividade e aí quem tem farinha no saco sobrevive. Isso é urgente, sob pena de que, deixando para mais tarde, quando se for fazer isso, não vai adiantar mais porque os sindicatos já estarão despedaçados, não terão nenhum poder. Hoje nós não podemos nem discutir o capitalismo porque não temos nenhuma experiência diferente.

O que essa visão da solidariedade, da economia social pode nos dar é a possibilidade de fazer com que tenhamos, inclusive, sindicalistas muito mais competentes. Vou dar um exemplo bem tranqüilo: os sem-terra. Ora, nós podemos ter milhares de visões nessa questão dos sem-terra, mas agora muitos trabalhadores rurais, pequenos produtores rurais, que eram sem-terra e hoje tem uma produção, já aprenderam coisas fantásticas da economia: como dirigir uma cooperativa, como produzir de forma cooperativa, ou seja, é fantástico o que o trabalho pode capacitar. E eu não estou falando de ir para a escola, estou falando da vivência, da solidariedade. Ela ensina. Deve-se complementar isso com escola, no sentido que possa melhorar essa capacitação. Tem que ter trabalhador capaz de dirigir as finanças, etc.

Isso não prescinde de técnicos, ninguém está falando aqui que o trabalhador vai virar técnico. Aos técnicos cabe fazer tecnicamente. O que acontece no Brasil é o inverso. Hoje, os técnicos mandam nos sindicatos. É muito comum o advogado dirigir o sindicato. Claro, de forma muito sutil, mas a opinião dele vale mais do que outra coisa, se bem que o dirigente seja outro.

Proposta - Você acha que as cooperativas devem continuar sendo filiadas ao movimento sindical? Tem parte do movimento sindical que discorda disso porque são estruturas distintas. Não é?

Jairo - Nos setor dos calçados, por necessidade, se obrigou a mudar o estatuto. Nos metalúrgicos, em Porto Alegre, já vamos trabalhar com outra idéia - e foi a cooperativa que provocou isso: Teremos várias categorias: os trabalhadores que estejam em uma fábrica, formalizados; os trabalhadores informais, desempregados; e os trabalhadores de economia social. E aí, qual é o papel do sindicato frente à cooperativa? É fazer com que ela seja uma cooperativa e que ela esteja funcionando dentro dos princípios da autogestão. Ou seja, do controle dos trabalhadores na direção da empresa.

Na democracia. Não deixar que o capital vá para a mão de um só sócio. Esse é o papel brilhantíssimo que o sindicato tem que cumprir. Para encerrar, eu vou dizer o maior paradoxo e que está sendo excelente para discutir com os trabalhadores. Veja bem. Um trabalhador sem-terra, ele está na beira da estrada solitário, sem comida, sem teto . Então vêm os trabalhadores sem-terra e dizem: "vão para o acampamento junto com os outros trabalhadores e ali terão comida, um barraco para morar, vida social". Se organizam na saúde, na educação, etc... e com perspectiva de ter emprego, já que ele terá, com muita luta, um pedaço de terra para plantar.

O trabalhador vai. Essa chamada interessa ao trabalhador, é concreta. Ele retoma o grupo social, a convivência, ele tem um lugar para morar, por mais calamitoso que seja este morar, por mais calamitoso que seja morar na lona. Mas lá ele tem um grupo social e perspectiva de um dia ter um pedaço de terra. Agora o trabalhador na cidade. Se nós dissermos: "vamos lutar". Não dá. Nós somos demitidos. É um paradoxo. Enquanto um, lutando, consegue emprego, nós, lutando na cidade, perdemos o emprego. Como é que resolvemos esse paradoxo? Todas as ações que os sem-terra fazem, e que estão corretíssimas, não servem para cidade. É preciso buscar outras ações e ações muito mais ligadas com a cidadania. Por exemplo: nós temos que aprovar, na Constituição que ao trabalhador que tenha "x" tempo de trabalho, que não pode ter cortadas a água, a luz, a comida. Estes são direitos constitucionais, ou seja, não é porque ele esteja ou não trabalhando que vai ter comida ou morrer de fome. Precisamos avançar nisso. Avançar para que o trabalhador que esteja desempregado e que trabalhou, que esse trabalhador não tenha cortada a água e luz, porque ele já contribuiu, já pagou impostos. É a hora do Estado contribuir.

Proposta - O projeto do movimento dos sem-terra trabalha muito com um projeto de mudança estrutural, ações concretas no sentido de pressão do Estado e ao mesmo tempo ações alternativas no sentido da auto-organização no cooperativismo. Essa linha está correta?

Jairo - O discurso dos sem-terra diz o seguinte: "nós queremos fazer reforma agrária, que é uma reforma estrutural. Mas como nós sabemos que não vamos fazer isso em pouco tempo, nós vamos resolvendo agora com um assentamento aqui, outro assentamento acolá, cooperativas, organização". Os sem-terra são um movimento organizado. Ele vai subindo degraus. Agora tem outros discursos na esquerda que dizem: "a saída é derrubar o governo, como não tem uma escada para chegar lá, nós vamos esperar, vamos esperar".

Proposta - Qual seria essa estratégia para o movimento urbano?

Jairo - O movimento urbano tem algumas estratégias fundamentais. Primeiro é garantir direitos sociais, isso é uma coisa fundamental. Salário desemprego, que não seja de quatro meses, que seja de um ano e que seja 70% do salário, etc. Segundo: direito a moratória, ou seja, que os trabalhadores tenham garantido aquilo que na sociedade moderna é necessário, como água, luz e alimento. Isto é tarefa do Estado garantir porque o trabalhador já contribuiu para o Estado, com a Previdência, com a Assistência Social, pagando do seu bolso esse dinheiro. Terceiro: Quando a gente fala que tem muito desemprego, o desemprego está muito ligado à economia informal. Não é formalizar a economia. Nós queremos que o trabalhador autônomo, hoje, passe a ser empregado de um patrão, porque isso dá condição para que ele ter previdência, saúde, etc. É isso? Não. Nós queremos que esse trabalhador, que trabalha de forma alternativa, possa se reunir e ter poder econômico, ter capacidade e não ser explorado.

Há uma economia submersa, que se fala hoje em 300 bilhões de reais, que é pouco mais da metade do PIB e que, portanto, mexe com muito dinheiro. Por que o trabalhador não pode ser informal e ter direito a previdência pública? Por que os trabalhadores informais não podem se juntar com outros trabalhadores informais e otimizar a sua forma de produção? As fábricas que produzem bens como o calçado, a roupa, o automóvel, etc, vão necessariamente diminuir os seus componentes de mão-de-obra. A modernidade está aí.

O próprio movimento sindical é culpado de muitas demissões porque, ao comprar computador, demitiu uma série de trabalhadores. Agora pergunte aos sindicatos se acham que dá para voltar a fazer trabalhos no lápis e na caneta? É inconcebível que um sindicato não tenha computador. E mais, não esteja na Internet. Isso significa perda de empregos por um lado, de trabalhadores da economia mais atrasada, e desenvolvimento de um outro setor que é o setor da informática, o setor do serviço, etc.

Ou seja, diminuiu por aqui, aumenta para o outro lado. O que nós temos é não deixar esses que estão perdendo ficarem excluídos. Por que nós não buscamos formas alternativas? Tem milhares de possibilidade, de formas alternativas de organizar a economia nas mãos dos trabalhadores. Mas para isso é necessário que esses trabalhadores que estão no sindicato, etc, mudem completamente a sua maneira de ver.

Hoje em dia é ridículo, pois é necessário termos alguém que nos explore para termos, então, justificada a nossa organização. É quase isso. Ou seja, se não existe o patrão não existe o empregado, não existe o trabalhador classificado, explorado, e aí parece que o objetivo do sindicato desaparece. O movimento sindical não é juntar os trabalhadores que estão sendo explorados, roubados, etc. Ao contrário. É juntar os trabalhadores que têm projeto, têm proposta, que querem fazer um mundo diferente. Esse é o papel do sindicato.